Contrária

O que seria da poesia
Se não fosse escrita
Por alguém que
No amor se contraria?



"E eu descobri que não são os amores felizes que mexem o mundo, mas sim, os contrariados."
Gabriel García Márquez

Gravidade

Soprou por fim o ar
Que no frio se mistura
Em ansiedade e textura
Com a fumaça do vigésimo cigarro
Que tragava naquela noite

E a neve noturna que endurecia
Em negritude o ambiente
Cobria então os indícios
De um mistério de certezas

Olhou pois, para o alto
E indagou se a inexistência
Da gravidade
Faria com que não houvesse neve
Nem fumaça
Nem indícios

Pois nem tudo que cai
Se levanta

Como meses

E você caminhando como Dezembro
Não diz não pra sexta-feira
Nem pra beijo nem pra abraço.
Faz promessas pra um futuro mais incerto
Que o verde ali de fora.
Se Dezembro falasse, mentiria.

E eu vou caminhando como Julho
Tenso, esperançoso, mas sensato.
Não creio no teu êxtase de quem entrou de férias
Ou teve a senha sorteada.
Meus dias são contados.
O Papai Noel do Shopping não esconde minha ressaca
Depois da ceia e do cigarro comedido.

E como calendário
Nossa essência é sempre a mesma.
O formato é sempre o mesmo.
Só muda o necessário.

E como calendário
Dependemos dos dias
Pra dar sequência nesse plano
Mais incerto que o verde ali de fora.

Se eu fosse fim de ano, não esperava carnaval no litoral.
Se eu fosse fim de ano, não esperava por uma tragada a menos.
Se eu fosse fim de ano, meu elogio sairia da boca pra dentro.
.

Se

e se no tal verso
no de cima ou no debaixo
pular qualquer segredo
de nudez ou gravidez?

Ócio criativo II

O ócio faz lembrar
Do calor que no muro dilata
Pensamento solto é o que resta

Onze e cinquenta é o que devo
Se são horas ou reais
Discrepância da minha vida
E me convenço 'tanto faz'

Adio o que sou
O que devo do destino
O que devo no meu débito
O que cobro do meu Deus

O ócio faz lembrar
Do calor que no muro dilata

Tentativa

Se tudo mundo diz que te ama
Cada vez sem mais porquê
Como digo o mesmo, sem drama
Ou sem parecer clichê?

E você não acredita
Que de verdade eu vou tentando
Insistir na seriedade
De te amar brincando



"Se você tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades, teria ouvido as verdades que eu insisto em dizer brincando. Falei muitas vezes como um palhaço, mas nunca desacreditei na seriedade da plateia que sorria."

Chaplin.
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Venda

É difícil hoje prever
Quando tudo te impede de ver

Quem nem todo poço é fundo
Que a rezadeira pode ser cética

Que tá próximo o fim do mundo
Que nem toda música dos Beatles é eclética

Introspecto

O tempo assume relatividade. Olhar não é o bastante. E contemplar não é a palavra certa. E meu tic nervoso de ficar piscando descontroladamente perde todo seu potencial, pois não me permito perder segundos do seu rosto. Segundos que demoram. O tempo assume relatividade.

"Eu quero ser exorcizado pela água benta desse olhar infindo
Que bom ser fotografado mas pelas retinas desses olhos lindos
Me deixe hipnotizado pra acabar de vez com essa disritmia."

Paródia pra Iaiá - pt.II


Aiai! É por falta de vontade!
Se o óbvio é útópico
Não acontece de verdade.

Por isso eu deixo
(faço que) não quero mais
Céu, parque, testemunhos
E você (não) volta atrás

Deixa ser como 'está sendo'
Que mesmo prevendo
Ou me enganando
No lugar vou tudo colocando.

(pré)destinado

Cresceu na gauche margem
Com bebida e sacanagem
Tropeçando no degrau
Da moral angelical

Das nuvens soprava a vela
Tocava arpa desafinado
Pintor sem tinta nem tela
Querubim sem cabelo enrolado

Foi julgado como um réu
No tribunal do céu
Caloteiro inquilino
No purgatório divino

Entre o pulo e o tombo
Entre a faca e o corte
Foi o o elo perdido
Foi a falta de sorte

Nem tanto ao mar

Com tanta coisa em comum me perdi no teu perfil. Com tanta coisa em comum vi em você uma metade paralela. Mas talvez eu devesse perceber "que nem sempre os olhos resolvem tudo."
O que me restava então? Idealizar o oposto? Concluir que duas metades perfeitamente iguais não podem se encaixar? É, "a resposta às vezes trai." Talvez nossas metades sejam como ímãs. Talvez eu devesse lembrar que pólos iguais nunca se atraem.

Na tua semelhança, o que prevalece é a diferença.

PARÓDIA pra Iaiá

Deixa ser como 'está sendo'
Que mesmo prevendo
Ou me enganando
No lugar vou tudo colocando.

"Numa moldura clara e simples sou aquilo que se vê."

Mona Lisa

Boba. No sentido cedo e subjetivo da palavra. Boba ao ponto de não resolver equações sobre sonhos e platônicos com igualdades óbvias. Boba do tipo que não reconhece a própria beleza. Bobeando, não interpreto sua bobeira irracional. Se faz de boba como quem quebra grafites de lapiseira; e gosto de te chamar de boba tanto quanto gosto do cheiro da gasolina. Metáforas a parte, sabe que foi tudo adjetivação. E respondendo sua pergunta... sonho com tua bobeira materializada.

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Cotidiano

Com letra maiúscula
Começo o dia
Cada café uma
Colher de integorração

Cato os cigarros
Com que me ocupo
Como vírgulas

Com reticências
Cuido da tarde que
Carece de ocupação

Caminho cansativo
Canto uma canção
Comento com colegas
Cabe-me opinar

Carente, reparo
Careço, que moça
Convido-a, conquisto

[colchetes]
Convite, colar
Champagne, caviar
Carro, casa
Cama, camisinha
Colcha, camisola

Cai a noite com
Contorcionismos e
Com calma tudo se
Conclui e se cabe
Como num ponto final.

Gripe

Vento no rosto, frio no pé
É trabalho sem cama
É segunda sem remédio
Um espirro pra ter fé

Marca a consulta
Bom não está
Recebe uma máscara
Doutor, o que há

Pega o jornal
Lê a notícia
Morte é a sina
E a gripe, suína

Le mancia

Ainda bem que comemos, ou não, as sementes da melancia. Não importa, mas elas nunca são plantadas. Se fossem todas plantadas, haveria espaço pra tanta melancia no mundo?

Sobre o violão

Acordo com acordes
Sem pestana pois não si presta
Se o sol se sai do som
Retiro o das retas

Canhoto crítico (con)vive
Torto, tudo tira tato
Minto mais um mi menor
E de dado se dá o

Nenhuma nota nem nada
Latido se late com
se finge fazendo
Acordando com acordes

Miopia

Não enxergo de longe.
Um palmo a frente de profissões embaçadas,
Centímetros de dúvidas cada vez mais nídidas.

Conjuntivite

É sexta-feira e a doença toma o lugar da alegria
É doença e a cama toma o lugar do bar
É cama e o remédio toma o lugar da bebida
É bebida que não aparece pra tomar o lugar do tédio
É tédio que toma o lugar da sexta-feira

A metafísica de pensar em algo

É tanto pensamento solto, que não surge uma frase presa.

"Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam."
(Martha Medeiros)

A imaginação é a lembrança que enlouqueceu,

e a inspiração é a lembrança lúcida.

A ordem das cores não altera o meu fluxo.

Bebo cerveja, penso sempre, espero algo, canto música, leio histórias, durmo pesado, vivo a vida.

Penso cerveja, espero sempre, canto algo, leio música, durmo histórias, vivo pesado, bebo a vida.

Espero cerveja, canto sempre, leio algo, durmo música, vivo histórias, bebo pesado, penso a vida.

Canto cerveja, leio sempre, durmo algo, vivo música, bebo histórias, penso pesado, espero a vida.

Leio cerveja, durmo sempre, vivo algo, bebo música, penso histórias, espero pesado, canto a vida.


não importa o modo, a rotina é sempre a mesma.