Politicamente saudável

Ando perdendo o respeito aos homens. E não falo do respeito atinente aos princípios sociais – como aqueles pregados nas igrejas, dinâmicas escolares e ceias de natal. Digo do respeito enquanto sinônimo de esperança, lendo-se também mulheres quando escrevo no gênero masculino.

Acontece que acabo de chegar de São Paulo. Um amigo estava dando (mesmo) uma volta ao mundo e acabara de vir direto do Irã. No fim de semana na terra do Arnesto fui à mostra internacional de cinema, ao samba do bule, tomei cerveja na Augusta e conheci um perspicaz cineasta da Cerqueira César. Um mineiro na gema paulistana. Releva-se também – como motivo para tal crônica – que ando lendo Roberto Freire e hoje acordei com o som de um diálogo metafísico entre minha mãe e suas orquídeas. É aí então que veio a conclusão n’um petardo semanal: ando perdendo o respeito aos homens.

Comecemos por São Paulo. O metrô da linha verde em SP é freqüentemente cenário de uma disputa niilista. Percebe-se que – apoiada à janela – sempre há uma morena indie de panturrilha definida disputando a cena Nouvelle vague com um rapaz de camisa xadrez e óculos wayfarer. Ambos os jovens se fitam. Ela – vestindo um mau-humor de falsa TPM traduzido pela bolsa indiana comprada na Praça Benedito Calixto – sente pelo cara um interesse substancialmente suficiente para convidá-lo a ir ao Franz Café, oferecer um cappuccino, discutir Woody Allen, e então levá-lo ao seu apê a fim de dar ao rapaz magro, sua vagina não-depilada de menina bem-resolvida. O cara, por sua vez, desde a primeira vista faz cara feia. Entra no metrô estático e estaciona no encosto mais próximo. Como já dito, ambos se fitam. Mas de nada adianta. A barba por fazer só traduz o interesse na garota. Imagina convidá-la para ir tomar Serra Malte na esquina do Charm, depois levá-la ao cinema no Espaço Unibanco e por fim discutir Nelson Rodrigues na poltrona laranja da livraria cultura. De nada adianta. Nenhum dos jovens esboça qualquer ato, qualquer movimento a fim de dar continuidade à hipotética situação de fim de tarde. O amor globalizado desse nosso Brasil de Lula resume-se na máxima de “não correr atrás”, onde não demonstrar interesse é sinônimo de charme e superioridade social. Já diria Bruno Graziano, os jovens do metrô da linha verde abandonaram as esquinas e estão rumando cegamente ao intocável cenário do romance facebookiano.

No samba do bule presenciei outro paradigma; uma cena não só ocorrida em SP como em qualquer lugar desse país. Daremos o nome de síndrome do vira-lata. Em volta da roda, espalhadas pelo galpão e até na fila do banheiro, mulheres lindas se encontravam presentes. Como em qualquer ambiente de descontração regado à cerveja e música, encontravam-se também diversos rapazes. Samba vai samba vem, nada parecia acontecer. Os rapazes se agrupavam, fitando de longe a beleza das presentes. Não-iniciativa. A cena se antecipava aos casais numa onda de timidez anos 80. A maioria dos homens não intentava nenhuma atitude calorosa quando deparados com uma mulher bonita com cara de cu. Pareciam se sentir inferiores, ameaçados pelo inconsciente rabo de saia de falso-chame.  Sino no pescoço. Síndrome de vira-lata.

É o fim do olho no olho. É o fim das esquinas. O adeus das sextas-feiras. Voltemos. Já dizia eu que estou lendo Roberto Freire. Leitura coincidentemente sugestiva diante de tal contexto semanal. Explico. Em Ame&dêvexame o autor conclui a escassez da liberdade no amor; e vice-versa. Analogicamente, é justamente o que anda acontecendo. Essa adesão às ondas virtuais só serve de vestido estereótipo. O feminismo agora ataca como um advento necessário a toda menina que passou dos treze, exilando o encantamento dos cortejos e bons costumes. É tempo de extremismos. Num mundo de sete bilhões de mentes, ironicamente o pluralismo é bem menor. Centenas compartilham opiniões em comum e curtem incansavelmente a mesma coisa cada vez mais; não se preocupando em criar, produzir ou buscar concepções próprias e originais. Uma chuva preguiçosa de auto-suficiência feminina nas timelines mundiais. As feministas exigem um pré-contato virtual antes do primeiro encontro. Há nessas mulheres a ideia de que não há mais a necessidade de um grande homem à frente de uma grande mulher.

Ando perdendo o respeito aos homens. Entre o politicamente correto e o incorreto; escolho o politicamente saudável.