Sobre o teu Origami

Hoje vou personificar papéis. Não os papéis que incorporamos nas cenas de mãos dadas,  nas peças de discussão ou nos monólogos de desabafo; já não somos mais personagens. 

Falo dos papéis dobráveis; do sulfite ao couché. Porque olhando pra eles, lembro de mim. Lembro de como fui (des)dobrado em metade. 

Mas voltemos aos papéis. Repare que nunca nos damos por satisfeitos quando os dobramos apenas uma vez; apenas em duas partes, apenas iguais. E então dobramos de novo, buscando facilitar o manuseio ou criar alguma figura sugerida pelo ócio. 

Ocorre que (assim) você me dobrou e antes que eu percebesse meu status de metade, você amassou a ponta esquerda e dobrou (de novo) minha situação. Dobrou a ausência em carência, a razão em paixão e dobrou em dúvida o que eu tinha de certeza. Nada pensado. Era confortante medir  os nossos lados & amassar com os dedos os motivos e (contra)tempos.
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Num repente, acordei marcado.

Me desdobrei antes que rasgasse.





(à)vontade

Ando bem. E não é porque consegui não exigir justificativas p'ro teu silêncio mal falado em meio ao eco das minhas respostas; eu já não existo mais. Ando leve. E não é porque trocarei hoje o café filtrado de saudade, pela cerveja brindada e graduada por goles ácidos de motivos; eu já não existo mais. Ando certo. E não é porque quis hoje coerência sobre significados de início e fim enquanto dialogávamos sobre o meio; eu já não existo mais. Ando dormindo. E não é por ter sido hoje acordado pela chuva que conseguiu apagar o que havia de rastro & cansaço & conquista; eu já não existo mais. Ando livre. E não é por ter conseguido superar o sentido de existência quando ouvi seu 'não' bem_dito, que de grito, acordou minha razão; eu já não existo mais.

Ando assim (só) porque hoje choveu quando estive com você e, quando (em tempo) já não estava mais ao seu lado, o sol apareceu.

Ando novo, e isso é bom.

(des)vontade

Não ando bem. E não é pelo refrão da musica-tema que tocou alto hoje no meu ouvido remetendo sentimentos triviais de semanas atrás; você já não existe mais. Não ando calmo. E não é pela sua foto que acabo de ver encenando teu cheiro de nuca & cabelo de fim de tarde; você já não existe mais. Não ando leve. E não é pelas mensagens que ainda guardo cuspindo a saudade do sossego depois de beijo & abraço diário; você já não existe mais. Não ando certo. E não é por causa dos devaneios de hoje que ainda repetem distraidamente as mesmas figuras de quatro semanas passadas; você já não existe mais. Não ando dormindo. E não é pelo 'não' mal __ dito que veio no lugar do 'sim'; você já não existe mais.

Ando assim (só) porque as palavras que tão contando uma estória de dois, em vez de sairem, como de costume, num romance encadernado de folhas amarelas, tão aqui rindo de lado em forma de crônica.

Longe

O tamanho da distância
ou a força da ausência
no amor, leva saudade
na paixão, abstinência.

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Da(qui)

Não deixo na mão do tempo
que ele sempre levou tudo
e de sempre, levou tanto

que de noite nem eu sei
se me deito ou me levanto.

Até queria,

abrir o cadeado
cuspir tudo o que eu penso
num discurso de um só trago.
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Por excesso
de bom senso
te poupo do estrago.

Do nada

De repente, qualquer coisa que eu poderia escrever foi dita antes por você. Pulamos no rio, nadamos até a mesma margem e você chegou primeiro. E de repente, me senti bem com isso; não com essa coisa de chegar em segundo, mas de ter você na minha frente.


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Da atitude

Eu vou com a calma
Que não é natural da idade
É bem mania da alma
Confundir atitude com ansiedade.

Do presente

Me perco na rotina. Cinco sentidos não bastam e a sinestesia não é para todos. Tenho a mania de tomar para mim toda indireta que aparece pela frente quando algo não está claro. Como quem coleta pistas pra entender o passado ou descobrir o futuro. Como se não houvesse verso de amor, frase de liberdade ou música de saudade que não fosse feita especialmente para (re)afirmar a (in)certeza do tempo de agora. E hoje não há estrofe do Pessoa ou conclusão da Clarice que não tenha sido escrita por mim.

Amor, liberdade e certeza; a vida se apega às coisas das quais ela menos dispõe no momento.  Minha fonte de certeza é o ponteiro do relógio e meu futuro ainda não saiu do calendário. O resto, não passa de possibilidades. Atribuo possibilidades às esquinas e aos gestos. Tenho dez verbos pra cada palavra sua e vou morrer sem saber em qual deles morou o beijo. Tenho dez cores pra cada humor seu e vou morrer sem entender se é melhor te ver roxa ou verde malaquita.  Crer na possibilidade é apostar na felicidade com um bilhete a mais na mão.

O meu presente é duvidoso; tem as aspas do passado e as reticências do futuro.

Do silêncio

O silêncio é a malícia que não foi compartilhada. É o vácuo do diálogo. Quem não fala esconde; quem esconde, entende; quem entende, não atende. Meu silêncio não basta. Não deveria bastar; pra ninguém! Aceitar o silêncio é inocência. Partilhar dele é corvardia. Um pensamento não compartilhado acumula mais palavras que um discurso. A maior prova da injustiça desse fôlego economizado é que nenhuma resposta é válida se não for dita. O silêncio é a preguiça da fala.

Ando quieto demais, fiquei com remorso e precisei escrever.

Do lado de dentro

Meu peito é oco. Tenho o costume de andar com o coração na boca. Por isso nunca tenho palavras. Posso, no máximo, emprestá-las de você. Todas as palavras são suas e eu só pronuncio. Nunca em voz alta pois o amor tem o sono leve; ele não dorme, só sonha.

-

À procura do coração,
A razão bateu na porta do peito.
O coração não estava, pois subiu pra boca.
Então, a razão também subiu
Mas na boca não havia espaço pra ela.
A razão quis entrar, gritou alto.
O amor acordou,
O coração saiu.

E então discutiram e brigaram.

A boca, que já não sabia mais o que dizer, também brigou, pois haviam roubado suas palavras
Acabaram acusando o amor de tal crime.
Ele se defendeu - dizendo:
- As palavras saíram todas abraçadas, umas com as outras, em forma de estrofes.

Saíram todos à procura das palavras

Mas no meio do caminho,
O amor  voltou a sonhar,
O coração voltou pra boca
E a razão se perdeu.


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Feira livre

Tem gente perguntando o preço
Tem gente escolhendo por mim
Tem gente indo e vindo
E não vejo propósito em cada pessoa que anda e esbarra e compra e manda

É de manhã; é todo dia de manhã
"(o ar não circulou; se circulou, foi só pra esfriar)"

Caí no corredor Direito.
Ainda há tempo de ser astronauta?

Costuro indiferença.
Troco tempo por ócio,
Vendo minh'ansiedade,



Cada gesto, uma desordem.
Tem gente perguntando o preço,
Tem gente escolhendo por mim,
Tem gente indo e vindo.

Minha vida é uma feira.
(sem barraquinha de pastel)

Do cumprimento

Nunca encontro palavras p'ra parabenizar quem eu realmente gosto quando preciso. Não é timidez; o tímido não declara nada. Eu declaro, porém tropeçando. Minha indiferença à efusividade não permite tal gesto. A voz se prende, o abraço é curto e tenho a sensação de que não conseguirei falar nada que não tenha sido dito antes. 

Minha admiração é cliché. Incrível como consigo gritar o ódio, humilhar (em voz alta) a indiferença e ter palavrão pra tudo o que é objeto. Mas o amor, só sai escrito. O amor não se grita; se sussurra. 

O cumprimento não corresponde ao sentimento.

Sobre Junho

Em mês de dia frio
minh'alma
       se    parte
       em    duas
mascarando companhia
pra tapear o tempo.



Em mês de dia frio
O destino se desculpa com mitoses.

Tropeço

"De repente do riso fez-se o pranto"
de repente o choro esgotou o canto
de quem cantava a boemia
sem saber se amou um dia.


E hão de gritar bipolaridade!
do sujeito que, de tarde,
com a ânsia de quem arde,
deu a noite por saudade.


"De repente, não mais que de repente",
com a pena de quem mente,
olharão para o sujeito
a repousar, só, em seu leito.


E hão de gritar vadiagem!
do boêmio que, de samba,
fez da vida corda bamba.

Deste hino

Coincidência me faz
crer em destino,

como um amigo imaginário
que nos diz o que fazer


e em quem colocamos a culpa
dos pecados 
indesejáveis.


Se há destino em nossas vidas,
há livre-arbítrio nas marionetes.

 "O destino escreve rápido e esconde a folha."

À noite

A insônia é o intervalo do descanso.

Meu partido

Meu partido se veste de Augusta
e dança ao som de "Light my Fire"
embriagado do que é vil
com um olhar quarenta e pouco

Meu partido aproveita da incerteza
e como um cego vê a beleza
da puta que pariu.

Meu partido tem:
a nitidez de um absurdo,
a lucidez de um viciado
e a malícia de um propósito.

Meu
partido
me
partiu.

Esquina

Porque tudo me encara
e nada me explica.

Entrelinhas não me fazem bem.

Se a verdade é injusta,
minha dedução é ácida.

Talvez isso explique
a disparidade dos meus sentimentos
e o (in)conformismo das minhas conclusões.

[Exercício - GRAMÁTICA]

- Faça a análise morfológica das palavras na oração abaixo:

. "O sujeito morreu de amor."



Por falta de complemento
O núcleo do sujeito
Morreu como um objeto.

Indefinido, Pre(ju)dicado,
Sem ninguém adjunto,
Não houve oração
Que salvasse sua conjunção.

Pobre do sujeito
Noticiaram com seu feito
Num artigo de jornal
Que o verbo amar também faz mal.
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Mas que falta faz 
um verbo 
de ligação.

Da escolha dos romances

Não adianta comédia
Se rir sozinho não convence.
Se for pra fazer média,
O tempo ali fora nos vence.

Palavra

O conselho é a fantasia da opinião.

Do amor e o engano

Amar é desviar-se do tempo; como quem se perde (erroneamente) em devaneios nos minutos finais de aula teórica pensando-se estar no plural.
Mal sabe quem ama que o presente é singular.
Mal sabe quem ama que amar é se enganar.

d.i.l.e.m.a

Entre o antes
E o outrora
Ou quando der saudade
Há sempre necessidade

De escrever
Qualquer versinho
Com metáfora
Ou Clichê

Prá mostrar a você
Que um recado
Não precisa ser falado
Prá ser de fato dado

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Mas sou órfão de palavras
A letra é solta e a frase é presa
E os versos tratam as rimas
Como imigrantes
Pois elas não dizem nada
Que não tivesse
Sido dito antes

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E então penso que hoje em dia
Não é fácil fazer poesia
Quando a mulher
Não é simples Maria