Tato

Tenho estado vulnerável. Aquém do meu poder de resistir ou extrapolar os limites. Talvez mais sábio em decorrência disso. Percebi a maturidade quando reconheci a fraqueza – e não faltam nessa vida coisas que nos suguem as forças. Mas com tanto ópio, vitrine e sinal verde, fui perder minha resistência logo em você. Com tanta nicotina no mundo, whisky sem gelo e carro importado, o meu poder foi se perder nos seus braços. Li-te-ral-men-te nos seus braços. E não há ser humano nessa terra que me convença do contrário; não há gente que me dane afirmando que, “não, os braços são menos importantes que os seios, o nariz e a boca”. Não há tom blasé que me passe a perna. Pois afirmo num petardo, sem hesitar: sou um apaixonado por teus braços. 

Apesar de preencher os requisitos da receita de Vinícius, não foram os pescoços longos, as saboneteiras, nem os olhos de certa maldade inocente que me fizeram ultrapassar a impressão de você – mas os braços. E dos cinco sentidos que restam a um pobre corpo humano, foi justamente o mais despercebido que me enfraqueceu: o tato. Pele com pele. Que me desculpem o olfato e a audição, mas o tato é fundamental. Explico o motivo: carinho. Carinho no braço.  Só o tato faz carinho. Entendo a dificuldade de estabelecer uma hierarquia entre os sentidos – não me imagino vivendo sem algum. Se eu fosse cego, surdo ou mudo, certamente seria o pior deles. 

Ocorre que quando estamos juntos, frente à tela de um filme, de ouvidos à cena dramática, minha atenção aguardando o curioso desenlace da história, é justamente nessa hora, que você descobre o meu braço – com o seu braço. Aí eu perco o foco; e não há filme do Almodóvar que me faça ler as legendas. Não há cena do Woody Allen que me tome à impressão. Não há tiro do Tarantino que chegue aos meus ouvidos. Seus dedos caminham com calma a distância de um continente, que não é nada mais do que o perímetro que vai do meu ombro à minha mão. Tocam as minhas veias em movimentos elípticos e as unhas eventualmente pressionam o antebraço com a paciência de uma canoa. Já mencionei que perco o foco. Tento, em vão, fingir que não percebo; tento buscar outra fotografia com a lente da minha íris. À toa. Minha cabeça deita. Olho pros nossos braços. Juntos. Busco um prédio na janela, uma chuva ou luz acesa. Você fala comigo; não escuto. Sou um eterno distraído. Um quase surdo. Um quase cego. Um completo mudo. Minha capacidade de proferir algo é assaltada. O carinho é o ladrão dos sentidos.


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