Da mudança

Tempo de mudança é quando o conforto dos velhos cômodos dá lugar ao tédio. Sei que meu status de ocioso não me dá créditos para conclusões do tipo, mas essa casa já teve lá sua graça. Posso me lembrar de como foi dinâmica durante a minha infância. Recordo-me de como era prazeroso descobrir uma gaveta de fotografias em preto e branco, uma porta falsa com vinis ou revistas antigas no alto do guarda roupa à medida que os anos me concediam os generosos centímetros. Mas as paredes da minha casa não (mais) falam. Ainda que todas as paredes falassem – repito – ainda que todas as paredes feitas de tijolo, cimento e massa corrida pudessem falar – as da minha casa continuariam (hoje) mudas.

Não há mais no meu quarto o suspense dos espíritos dentre os cabides, tampouco os mistérios inerentes aos olhares dos porta-retratos; e o velho criado-mudo de madeira maciça do interior – que há tanto tempo sustentou sobre si as palavras inquietas dos romances que ali ficavam – sustenta hoje apenas mil e duzentos gramas de papel impresso nos livros de cabeceira. Hoje minha cama é uma cama; não mais um abrigo.

Os anos não são generosos com o encantamento humano. Enjoamo-nos com facilidade das pessoas, dos lugares, e a distância se faz necessária para que ocorra um (re)encontro espirituoso.

Tempo de mudança é quando o conforto dá lugar ao tédio. Vou me mudar.