Por trás do banheiro masculino: a magia de Dona Inah


As damas não devem saber, mas existe algo que rebaixa o homem ao lixo da espécie: o banheiro. 

Não, minha filha. Não falo dos banheiros de casa, dos quais está pensando agora. Não digo do banheiro que você compartilha com seu pai ou seu irmão, queixando-se das tampas levantadas e dos respingos urinados por fora da privada; o homem não é pior se comete tais erros, as fêmeas cometem tamanho desastre ao entupirem o ralo com os tufos de cabelo no box do chuveiro.

Cito os banheiros públicos masculinos – aqueles de botecos e rodoviárias! Não importa onde, pode ser na faculdade, posto de gasolina ou num puteiro distante no sertão do Ceará: banheiro masculino é tudo igual, tem sempre a mesma cara. Banheiro de homem não étoillet, chega ao máximo a sanitário – com a plaquinha engordurada faltando dizeres, ou até mesmo sem indicativos, como aqueles onde se é preciso pegar a chave no balcão do bar.

Banheiro de homem é um universo vulgar. É o que mostra que homem é homem. Na porta, estão jogados aleatoriamente palavrões como ‘caralho’ e ‘boceta’. Na parede, eventualmente se avista uma pornografia desenhada – caricaturas de genitais, na maioria das vezes. Banheiro de homem mostra que ali mulher não entra. Ocorre uma autoafirmação da virilidade, traduzida por mal cheiro e putaria escrita. Sempre me perguntei por que alguém carrega caneta Bic quando vai mijar.

Dias atrás, descobri que o cenário tem salvação.

Vila Madalena, São Paulo. Um sambinha tocando ao vivo. Três cervejas. Vontade de mijar (recuso-me a escrever urinar). Pergunto onde é o banheiro masculino e o garçom me indica uma cabine ao fundo do recinto. Dirijo-me, abro a porta, avisto o mictório, e pronto. No momento, levanto a cabeça – todo homem levanta a cabeça quando mija no bar – e dou de cara com uma frase que não era para estar lá:

“Dona Inah, conheci a Bruna numa noite em que a senhora cantava. Obrigado!”

Repara na profundidade da frase. Repara no contexto. Uma típica declaração de amor, dessas escassas, escancaradas, que a gente já não vê mais hoje em dia. Ao contrário das expressões pejorativas, essa vinha escrita de caneta piloto, em bom português. Foi impossível não notar. O cabra estava tão apaixonado, mas tão apaixonado, que não esperou a moça para se declarar, soltou o verbo logo na parede da cabine pública, para outros homens verem. Lá onde os outros machos se desdizem, se ofendem e mijam!. Isso que é amor. Homem que é homem se declara.

Explico a minha surpresa. Em frente às mesas e às pessoas, situava-se uma senhorinha de setenta e poucos anos, morena, de feição indígena, que cantava samba raiz e animava a boemia paulistana. Dona Inah deve ter um metro e meio de altura. Espantou-me sua saúde e disposição para cantar, justo àquelas horas da madrugada.

Dona Inah, a própria.
Imagine agora que Dona Inah nunca saberá do casal que se formou por sua conta. Posso enxergar os dois pombinhos anos atrás, na porta do bar, apresentando-se e indagando que grupo de samba tocaria naquela noite amável. E do nada, depois da garoa, surgir Dona Inah, a madrinha alcoviteira. Apesar de velha e baixa, vale dizer que ela não passa despercebida. A rouquidão da sua voz é reflexo da experiência, um prato cheio para os amantes do samba.

A sambista nunca lerá a declaração feita no banheiro masculino, nem mesmo a felizarda com o nome de Bruna. E duvido que algum macho tenha condenado o apaixonado que a fez. Um amor é mais notável que um desprezo.

Se a ama, declare, mesmo no banheiro masculino. Quem sabe um dia alguém escreverá sobre isso.

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