É tempo de
outrora. Há, lá fora, uma leve sugestão do vento, que nos sopra distraidamente
aos ouvidos o resultado do fim do dia. Uma desatenta persuasão do destino,
querendo que eu me atire no rio mais próximo e deixe-me levar pela corrente.
Mas desatento também o sou. Tão, ou mais do que o vento, pois em vez de
escutá-lo, o vejo. Vejo o que não se mostra. Estou a mirar o reflexo dos lagos
e as asas do beija-flor, que de tão rápido que batem se passam despercebidas. Deito
no colo da procrastinação e peço um café. Na boca, o gosto antigo da
descoberta. Há tempos que não descubro o seguinte. Outro gosto, trago, amargo
do que é pouco. É tempo de escutar. A cinza do alto precisa serenidade. Balanço
na rede e me aventuro em remotas lembranças. Cometo um delito em segredo,
gargalhando o fato do abalo moralístico que viria a sofrer se o vento visse a
si próprio, e o beija-flor não batesse mais as asas e o café me engasgasse a
boca e tudo isso tivesse ouvidos. O que haveria havido? Deixo que o vento leve;
bem como a corrente. Pulo da rede às asas da fênix. Vôo tranqüilo, expectativa
de céu limpo, mas não de aterrissagem. Era Setembro, mas podia ser ontem. A
vida é uma piada sem graça, mas inteligente. Dessas que a gente só consegue rir
depois de muito esperar; dessas que a gente olha pra cara de bobo do outro, e
ri, fingindo entender o porquê de uns irem e os outros ficarem. Bobo sou eu.
Ora, a piada não está na vida; está na morte. Essa coisa de substituírem uns
aos outros sem critério, levando os bons, deixando os ruins e mascarando o
mistério com coisas como a idade e a doença. A doença que não se decifra. Uma
interrogação em cada tosse. Era Setembro, mas podia ser Janeiro. Um frio me
subia o dorso, e eu, sobre a fênix, a olhar tudo do alto – tudo de longe. Como
um mirante em desacordo. Uma ternura embalada num berço de névoa. Disse a idade
e a doença, mas poderia ser simplesmente saudade. A insistência da memória
em puxar aquele verde da infância e aquela forma doutro sonho. Contenho-me com
o silêncio. Resumo a concordância com a vida num aceno de cabeça. Não perdôo o
vento por não se mostrar, nem condeno a rapidez do beija-flor em voar tão
rápido, como se esquecessem de quem os observa, como o faço agora. A
naturalidade é uma resposta discreta. Bonito é conseguir se esconder. Decisão é
saber esperar. Que tenho eu com a vida?
...http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=5YJKsYRly_8&NR=1
...http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=5YJKsYRly_8&NR=1
Recordo uma manhã clara de dias que não conheço, talvez seja esse o peso do tempo, estar além, fora o corpo, carregando um outro mundo além do olhar.
ResponderExcluirNão há lagrima nem orvalho que nos liberte, nem mesmo revelar um coração que não temos...
Escapamos para uma realidade oca, onde o eco não é nosso... Seguimos, leve de vazios, mas pesados de saudades.