Ato de Domingo

(...)

Téo entra no cômodo e logo se senta. Não por acaso – mas por coincidência – a música ambiente calejava a respectiva cena. Solo; tanto ele como as cordas.  Não pensava em nada naquele momento, exceto no fato de que era domingo e de que isso seria o bastante para não se ocupar com nada; afinal, não conseguiu dar continuidade em nenhum dos planos elaborados diurnamente na cama.
- Domingo tem dessas coisas – pensou ele.
Gaia abriu a porta, absorvendo num ímpeto todo cenário com que se deparava e, de súbito, interrogou o status da alma alheia: 
- Está triste?
- Estou.
Mas talvez não estivesse. Respondeu num susto, com a certeza de que a resposta calaria a interlocutora. O disparate foi como uma denúncia transcendental. Como se nos azulejos da parede à sua frente estivessem colados um par de espíritos, resistentes a sabonetes e detergentes, mas inertes às demandas da rotina humana.
Ela não contestou. Em dias assim a ausência se basta. Téo alongou os braços sem nenhuma razão lógica para tal ato; e suspirou. Gaia respeitou o minuto e tornou a abrir a porta.
- Você também está assim? – interrogou o rapaz de modo a frear a passada da mulher.
- Assim como? Triste?
- Não.
- Como então?
- Como se não fosse possível viver sem consciência e você estivesse necessariamente disposto para tanto.
- Como naqueles momentos em que a gente não encontra o ar?
- Mais ou menos. Como se para encontrar o ar nós precisássemos da boa vontade dos Deuses e do bom senso dos espíritos.
- Acredita em espíritos?
- Só nos ruins. As boas almas do outro plano nunca me apareceram em momentos de solidão; diferente daquelas obscuras de que me lembro desde as noites mais remotas da infância.
- E nos Deuses, você acredita Téo?
- Apenas nos distraídos. Talvez isso explique o destino. Coisas boas e ruins acontecendo sem prévias justificativas, mas com explicações póstumas, ainda que não plausíveis.
- Talvez isso explique a sorte e o revés.
- Talvez.

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