O conto da descabida

Foi até a cozinha, olhou pela janela e concluiu que em mais ou menos tempo ia chover. Nublou-se de outras conclusões abafadas pela necessidade de tirar as roupas do varal antes que o dilúvio imaginário molhasse todos os seus afazeres de coroa do interior. O quintal era seu escritório de dona de casa, seu marca ponto rotineiro. Passara dos quarenta com casa, filho, marido e cabelo curto. As dezoito horas do relógio remetiam-na ao estudo do moleque, ao atraso do marido e aos desfalques de seu tempo. Saiu da cozinha odiando o quintal, o esposo e o varal. As varizes distanciavam suas pernas dos lençóis molhados de fora. Esqueceu das obrigações diárias de esposa quando passou pelo espelho da sala. Em meio ao seu reflexo e às gotas de suor concluiu que o padrão não é mérito nenhum pra quem vê a vida de fora. Rugas de insegurança ao lado de contas não pagas, menstruações atrasadas e louças não lavadas. Adiou vitrines, pileques e sextas-feiras. Tantos atrasos por tão pouca bobagem.  "Antes fosse puta" - pensou ela. Antes fosse puta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário